quinta-feira, janeiro 18, 2007

caixas d´óculos

Para os caixas d ´óculos ( os assumidos e não assumidos) aqui vai um texto da cronista Ana Sá Lopes do DN ( no dia 12/01/2007) :

Um caixa d´óculos é uma criatura que acredita que uma prótese é melhor que o seu próprio corpo. Como explicar a recusa das absolutamente vulgarizadas lentes de contacto? Sim, dão uma trabalhadeira, parece que se perdem por dá cá aquela palha e pertubam a caça ao " cisco " no olho.

Mas a mais definitiva das razões é que os caixas d´óculos passaram a gostar mais dos seus óculos do que dos seus olhos. Habituaram-se. descobriram na prótese uma harmonia qualquer antes inexistente na matéria que Deus lhe deu. Adoptaram um pedaço de massa ou de metal e adjudicaram-no á área de reserva protegida do seu próprio corpo. Têm qualquer coisa a mais ou a menos mas não são infelizes.

Usar óculos tem vantagens, a começar por aquela muito básica- servem para contentar o impulso muito humano de " ter à mão qualquer coisa que agarrar." Por isso e outras coisas, os caixas d ´óculos criam relações estapafúrdias com os óculos, como se faz com toda e qualquer coisa do céu e da Terra de que se tenha extrema dependência.

P. dizia ontem que sente os óculos como uma espécie de " melhores amigos" N. nunca permitiu que lhe tocassem nos óculos, nem ao de leve. M. nunca fez nada, quase nada, sem óculos ( menos tomar banho e dormir). Aquela turbamulta que, nos hospitais, nos retira sanguinariamente os óculos quando entramos em estados mais delicados não percebe que nos está psicologicamente a derrubar e a derrotar a última das nossas defesas. A retirar-nos, até melhores noticías, uma parte vital do corpo. A sonegar-nos o direito à personalidade - que, é o que toda a gente diz, se vê nos olhos e os nossos são assim.

Quando um caixa d´óculos muda de óculos segue o ritual da operação plástica : que nariz novo agora vou escolher? Aumento o peito e para quanto? Faço uma liposaspiração? E se, depois, não me reconheço? Hoje, a banalizaão das plásticas permitiu que grandes franjas do corpo se tivessem tornado amovíveis e modificáveis ao sbor dos ventos. nós, os caixas d´óculos precoces, convivemos com isso desde pequeninos. E mudar de corpo, por acaso, não é uma coisa nem tão engraçada nem tão fácil assim.

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